DIVINO ESPÍRITO SANTO DE DEUS!

Divino Espírito Santo de Deus, que derrama sobre todas as pessoas as graças de que merecemos, hoje e sempre nos acompanha nas trajetórias de nossas vida. Amém.

domingo, 24 de junho de 2012

lembranças de Baturité

LEMBRANÇAS DE BATURITÉ


Gracinda Calado

À tardinha tinha o costume de passear nas calçadas largas, enfeitadas de árvores de benjamins muito verdes, sentindo o cheiro de mato que vinha na brisa suave da serra.

Dirigia-me à casa das “Francos”, conhecidas como: Doralice, Iolanda e Maria Alice. Pessoas castas, puras, nem televisão possuíam para não ver as coisas do progresso, nas novelas e nos filmes. Para elas tudo era pecado.

Um dia nas minhas férias trouxe para Fortaleza a Maria Alice, a fim de se tratar de uma esclerose múltipla. Em minha residência todos os dias ela assistia as novelas e gostou muito, viu que não era tão mal...

Ao voltar para Baturité levei com ela, (Maria Alice) uma televisão preto e branco, de 14 polegadas. As irmãs resistiram em ligar o aparelho, para não verem os beijos das novelas, depois quando já decidiram ligar o aparelho e isso aconteceu depois de uma grande luta. Elas fechavam os olhos na hora dos beijos, fechavam os olhos para não haver o risco de pecarem.

Depois que se acostumaram não queriam mais desligar o aparelho.

Sua residência era contornada de flores e o perfume de rosas se espalhava por toda a rua e a todos que passavam aguçava a curiosidade de parar para ver o que acontecia naquele lugar tão prazeroso! Iolanda era a encarregada de cuidar das plantas e das flores do jardim, como também dos doces que nos oferecia no lanche da tarde com biscoitos sequilhos que ela mesma fazia.

Conversávamos bastante, rezávamos o terço às seis horas e o ângelus, enquanto Doralice com a sua sabedoria impecável, contava histórias de romances que ela lera. (ela leu 1000 romances). Dentre todos, os clássicos de autores portugueses, espanhóis e sempre os brasileiros da sua predileção, como Machado de Assis, que ela tinha uma adoração, pois havia lido todos os romances de Machado.

Forçadamente desde pequena criei o habito de ler por causa de Doralice que me castigava para contar os romances que eu lera durante a semana. Felizmente fui gostando da brincadeira e me apaixonei pela literatura. Devo a minha amiga Dora, que carinhosamente chamava assim, com ela trocava saberes literários e me sentia muito bem.

Uma coisa engraçada, “aconteceu” quando Maria Alice faleceu, coitada, pela manhã já estava morta enquanto as outras a esperavam para o café da manhã. Iolanda chamou-me e disse: “Não quero ver a cara de Maria Alice, tenho pavor a defunto”, logo eu indaguei:”e quando for você”? “Ora, nem me fale, não quero saber dessa coisa horrorosa de morte. Quando eu morrer não quero que ninguém me veja morta. Vou fazer o possível para não morrer”. Comecei a rir...

Ela disse-me: “Não quero ver a Dora morta, tenho medo dela. Acho que vou morrer de medo se ela for primeiro que eu.” Falava-me assim da morte e eu sentia que ela tinha medo de morrer, para ela era um suplicio o assunto.

Morreu a Iolanda, ficou a minha amiga Doralice. Depois de algum tempo seus familiares a levaram para Fortaleza, de onde ela nunca havia ido, nem conhecia de fotos, pois para ela, era lugar de perdição.

Morreu minha amiga Dora aos cem anos. Sem razão de si mesma, demente, e nem mais se lembrava dos seus romances e de suas aventuras literárias. Foi se encontrar com os que na sua vida só lhe deram prazer de ler os seus romances.

Sou muito grata a ela pela influencia de seus livros que hoje repasso a alegria do que aprendi aos meus filhos e netos.

Obrigada Doralice!



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